domingo, 1 de julho de 2012

A morte de Sócrates

          A Morte de Sócrates (fr: La Mort de Socrate) é uma pintura de 1787do pintor francês Jacques-Louis David.

Fragmento do livro Fédon de Platão:

         Depois de assim falar, levou a taça aos lábios e com toda a naturalidade, sem vacilar um nada, bebeu até à última gota.
         Até esse momento, quase todos tínhamos conseguido reter as lágrimas; porém quando o vimos beber, e que havia bebido tudo, ninguém mais aguentou. Eu também não me contive: chorei a lágrima viva. Cobrindo a cabeça, lastimei o meu infortúnio; sim, não era por desgraça que eu chorava, mas a minha própria sorte, por ver de que espécie de amigo me veria privado. Critão levantou-se antes de mim, por não poder reter as lágrimas. Apolodoro, que desde o começo não havia parado de chorar, pôs se a urrar, comovendo com seu pranto e lamentações até o íntimo de todos os presentes, com exceção do próprio Sócrates.
- Que é isso, gente incompreensível? Perguntou. Mandei sair as mulheres, para evitar esses exageros. Sempre soube que só se deve morrer com palavras de bom agouro. Acalmai-vos! Sede homens!
         Ouvindo-o falar dessa maneira, sentimo-nos envergonhados e paramos de chorar. E ele, sem deixar de andar, ao sentir as pernas pesadas, deitou-se de costas, como recomendara o homem do veneno. Este, a intervalos, apalpava-lhe os pés e as pernas. Depois, apertando com mais força os pés, perguntou se sentia alguma coisa. Respondeu que não. De seguida, sem deixar de comprimir-lhe a perna, do artelho para cima, mostrou-nos que começava a ficar frio e a enrijecer. Apalpando-o mais uma vez, declarou-nos que no momento em que aquilo chegasse ao coração, ele partiria. Já se lhe tinha esfriado quase todo o baixo-ventre, quando, descobrindo o rosto – pois o havia tapado antes – disse, e foram suas últimas palavras:
- Critão (exclamou ele), devemos um galo a Asclépio. Não te esqueças de saldar essa dívida!
"Assim farei!", respondeu Critão. Vê se queres dizer mais alguma coisa. A essa pergunta, já não respondeu. Decorrido mais algum tempo, deu um estremeção. O homem o descobriu; tinha o olhar parado. Percebendo isso, Critão fechou-lhe os olhos e a boca.
         Tal foi o fim do nosso amigo, Equécrates, do homem, podemos afirmá-lo, que entre todos os que nos foi dado conhecer, era o melhor e também o mais sábio e mais justo."
OBS: Mesmo sem saber  realmente sobre a vida de Sócrates, somente pelos relatos de Platão, uma das bases da sua filosofia era a de sempre perguntar.(Arte da pergunta)


Postado por Marcos Antonio Lopes

2 comentários:

  1. O fragmento postado me remeteu a um diálogo anterior a esta cena, também muito rico.

    Críton, o mais ardente dos seus discípulos, entrou furtivamente na cela e disse ao mestre: -Foge depressa, Sócrates!
    -Fugir por que? - perguntou-lhe.
    - Ora, não sabes que amanhã te vão matar? -Matar-me? A mim? Ninguém me pode matar!
    -Sim, amanhã terás de beber a mortal taça de cicuta - insistiu Críton.
    - Vamos, foge depressa para escapares à morte!
    -Meu caro amigo Críton - respondeu-lhe - que mau filósofo és tu! Pensar que um pouco de veneno possa dar cabo de mim...Depois puxando com os dedos a pele da mão, Sócrates perguntou: -Críton, achas que isto aqui é Sócrates?E, batendo com o punho no osso do crânio, acrescentou: - Achas que isto aqui é Sócrates?... Pois é isto que vão matar, este invólucro material, mas não a mim. EU SOU A MINHA ALMA.

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  2. Nossa, lindo trecho!Muito legal essa ideia de que a pessoa não é algo material, físico, palpável, mas algo que rompe com as noções de tempo e espaço, e assim é capaz de perpassar as épocas e contaminar gerações futuras.

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